Luís Flávio Maia Lima (*)
A intenção deste texto é refletir, em parte, sobre as consequências da crise mundial de 2007, suas repercussões para o setor exportador paraense e as lições extraídas de tal crise. Obviamente, não existe aqui a pretensão de esgotar o assunto nestas poucas linhas que seguem.
A crise mundial de 2007, iniciada nos Estados Unidos pela implosão das operações de subprime e ampliada no seu escopo pela quebra do Lehman Brothers em 2008, possui um caráter emblemático quando comparada as demais crises monetárias dos últimos vinte anos – como a mexicana (1994), a asiática (1997), a russa (1998), a brasileira (1999). Tal singularidade deve-se, sobretudo, a dois fatores: 1) sua abrangência, devido a maior escala de consequências decorrente do alto grau de especulação no campo monetário, bem como da integração das economias e; 2) a temporalidade da mesma, tendo em vista que já decorre aproximadamente cinco anos do seu início, cuja marca atual é a crise da chamada Zona do Euro, onde o objetivo das ações das agências multilaterais é evitar a quebra sistêmica do setor financeiro.
Esta crise mundial já é de médio prazo e certamente, nos ditames dos economistas, os efeitos sobre a economia brasileira foram (e são) inúmeros, particularmente em um primeiro momento. Concentrada a crise nos Estados Unidos, o país que a deflagrou determinou a contração parcial das exportações e do consumo, acarretando a adoção de medidas anticíclicas ao longo de 2008 e 2009 no Brasil, a fim de amenizar os efeitos da crise sobre as atividades produtivas brasileiras, o que ocasionou a reação pontual da Brasil, em 2010.
As reações seguintes advêm da lenta recuperação dos EUA, do aumento da liquidez do dólar e da redução da taxa de juros americana, que não alteraram o curso da crise, ao contrário: o elevado grau de alavancagem dos bancos europeus aliado a compra de títulos do governo norte-americano pelos países europeus visando equilibrar a economia mundial redundou no descompasso fiscal e contribui para aprofundar os problemas da Europa, o que alonga a crise e amplia seus efeitos.
Em razão deste cenário global observa-se ao longo de 2011 e 2012 a desaceleração do consumo mundial, a retração das atividades na Europa e na Ásia, o que imbricou negativamente o Brasil, notadamente no campo das exportações, afetando a oferta agregada, dado o efeito de transmissão, e consumo interno, devido a interligação entre as demandas e a produção.
A equipe econômica brasileira adota e adotou, nos últimos dois anos, diversas medidas com o propósito de reverter o quadro de estagnação econômica, tais como: a redução da taxa Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), a desoneração da folha de pagamento em atividades específicas, a supressão temporária de IPI em segmento cuja cadeia produtiva prova efeitos para frente e para trás – construção civil e indústria automotiva, por exemplo –, ampliação da linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), entre outros instrumentos.
Desse modo, é fato que a crise mundial afeta as exportações brasileiras em todos os níveis, especialmente os commodities e produtos básicos e/ou intermediários e, neste ponto, a pauta de exportação paraense, centrada e concentrada na comercialização destes bens (minério de ferro, alumínio não ligado, ferro fundido, pasta química de madeira, pimenta do reino etc.).
Em razão da dependência observada, é natural a inflexão no volume exportado e na participação do setor exportador paraense, o que ocorrerá em 2012(1) e 2013, como ocorreu em 2009 (ver tabela a seguir). A questão central que emerge não é focada no âmbito conjuntural da inflexão e de suas causas, é sim estrutural, o que deve ser o cerne do debate no estado.
O cerne do problema na pauta paraense é a incapacidade de mudar, por dentro, a base produtiva estadual, vinculada ao mercado externo e centrada em commodities. Nesse sentido, o fator “tempo” – onde a governança é nula e, como escreveu Keynes, “no longo prazo todos estaremos mortos” – colide contra a esperança, pois, a eclosão da crise mundial e seus reflexos poderiam, positivamente, alterar o curso da história local, principalmente na mudança relativa, decorrente da desconcentração nas exportações de bens básicos e semimanufaturados, para os produtos transformados.
A leitura da tabela abaixo explicita o grau de dificuldade e a incapacidade de usar a crise como diferencial de mudança na base produtiva paraense, posto que, a taxa de participação da exportação de básicos ascende ao longo do tempo, visto que, em 2006 a representatividade era de aproximadamente 51% e, em 2011 alcança cerca de 78%.
A leitura da tabela abaixo explicita o grau de dificuldade e a incapacidade de usar a crise como diferencial de mudança na base produtiva paraense, posto que, a taxa de participação da exportação de básicos ascende ao longo do tempo, visto que, em 2006 a representatividade era de aproximadamente 51% e, em 2011 alcança cerca de 78%.
Exportações do Pará por Fator Agregado (em US$ 1.000), 2006-2011
Fonte: MDIC. (Clique na imagem para ampliar)
Quando somadas as exportações dos produtos básicos aos bens semimanufaturados constata-se que no ano de 2006 o indicador alcança a taxa de 83,10% sobre o total das exportações, percentual este que aumenta no decorrer dos anos, atingindo o valor de 89,59% em 2011. Este resultado, além de preocupante, dada sua representatividade, revela não somente as limitações das exportações paraenses, mas fundamentalmente a incapacidade de aprofundar o processo de industrialização no interior dos empreendimentos ou no seu encadeamento através da inovação, como na oferta na pauta de exportação de novos bens, oriundos de um processo de qualificação de insumos e mercadorias regionais com potencialidade de agregação de valor, como, por exemplo, extrato de pimenta ou óleo de semente de maracujá.
Neste período, as exportações de manufaturados, que acusam um maior valor agregado em termos de valor, recuam de 16,87% em 2006 para 10,21% em 2011. Estes percentuais revelam não somente o drama, mas a perda de oportunidade advinda da crise que poderia ocasionar uma transformação estrutural no interior das atividades produtivas paraenses. Ou seja, no tempo de vigência da crise a partir de 2007, e na perspectiva de sua continuidade nos três anos seguintes, o setor produtivo estadual e o governo do Estado não foram capazes de promover ações que transformassem a crise em janela de oportunidade, um salto necessário para revolucionar a limitada economia paraense.
Captar este momento de crise e transformá-lo em elemento de ruptura de uma situação limitante, como é o caso da economia paraense, é o ponto central do Plano Brasil Maior, que visa qualificar o processo produtivo através da inovação e ao mesmo tempo, do adensamento produtivo objetivando alcançar a transformação estrutural no seio das atividades produtivas.
Ao final de 2012, a crise mundial completa cinco anos e a previsão mais otimista é de que ainda perdure por mais três anos, o que totalizará oito anos. Ora, se não fomos capazes de alterar o perfil da pauta paraense nos últimos cinco anos, dificilmente produziremos uma mudança qualitativa em três anos.
A configuração deste cenário ratifica o fato de que não somos capazes de induzir, qualitativamente, alterações no interior da economia paraense, e que as mudanças resultam de forças exógenas, como os grandes projetos. Assim, a origem dos nossos problemas é diversa. Nasce de fatores como as limitações dos nossos governantes e dos pactos partidários restritos aos ganhos dos grupos que compartilham o poder, bem como da incapacidade de construção de uma visão estrutural e de longo prazo de sociedade, que deveria focalizar a redução das desigualdades, através de investimentos sociais e de produção, vinculados ao uso qualitativo dos recursos naturais regionais, aliado à agregação do seu valor.
Romper com a atual política de incentivos tributários, voltada para o segmento empresarial com inserção na política partidária estadual e apartada, por falta de competência, da inovação ou do potencial de novas atividades é fundamental para modernizar tal instrumento. Isto significa que este mecanismo deve existir e ser utilizado de forma seletiva, focado em empreendimentos portadores do futuro, o que não é o caso no momento. Com isso se reduziria o esforço fiscal que pesa sobre a sociedade e, simultaneamente, modernizaria – por dentro – o setor industrial estadual, elevando o nível dos investimentos sob responsabilidade do Estado.
A transformação do Fundo de Desenvolvimento do Estado (FDE) em um Fundo de Investimento ou em um Banco de Desenvolvimento é uma alternativa que reduziria o peso político do uso feito deste fundo atualmente, e que possibilitaria o direcionamento dos recursos ao estímulo e apoio a empreendimentos tradicionais, hoje atendidos pela política de incentivos tributários. Deste modo, a criação do fundo ou do banco seria uma via de abertura de oportunidades para o surgimento de novas empresas e seu crescimento, em razão do retorno sobre o valor emprestado, o que ampliaria o parque fabril no Estado.
Executar os projetos, bem como ampliar, com garantia de pessoal e de orçamento, a política estadual de arranjos produtivos, localizados em sua maioria no interior do Estado, é um dos caminhos de base para alterar a matriz produtiva estadual. Nesse sentido, o resultado de médio e de longo prazo é a formação de empreendimentos de médio porte, sustentáveis. As exportações funcionariam como um fator de consolidação dos mesmos, alterando o atual perfil da pauta de exportação paraense.
Expandir e implantar novos Distritos Industriais com perfis produtivos baseados no uso do potencial dos bens regionais – que redunda na diversificação da matriz produtiva – e concluir os parques de Ciência e Tecnologia, especialmente os de Santarém e de Belém – focados na inovação, através da qualificação dos insumos regionais e sua transformação industrial agregando valor – é outro ponto importante a ser considerado no campo industrial e das exportações paraenses.
De outro modo, transformar as compras governamentais em motor de sustentabilidade para as pequenas empresas é ponto importante para formação e consolidação do capital local. Neste ponto, permitir a possibilidade de crescimento com transbordamento para a exportação com uma função complementar, tende a alterar o perfil exportador paraense.
Fomentar a cultura exportadora no interior do Estado focado nos empresários e nos técnicos bem como a implementação de Salas de Comércio Exterior em municípios estratégicos direcionadas a orientação e desembaraço aduaneiro são medidas importantes para alterar o perfil da pauta e, ao mesmo, ampliá-la e qualificá-la.
Por fim, o Estado não assume o seu papel institucional de indutor e, na verdade, apenas funciona como ação reativa de uma situação dada. Investir na construção de uma política industrial direcionada para potencialidades portadoras de futuro, aliada a um planejamento estratégico de Estado e, não de governo, é o ponto que precisa ser considerado no todo, para sairmos da inércia, conforme se constata através dos dados da exportação e do perfil dos produtos exportados.
Portanto, decorridos cinco anos da crise mundial as exportações paraenses se mantiveram no mesmo patamar. As alternativas de futuro, não utilizadas, demonstram novamente que perdemos o tempo da história e da possibilidade de transformação qualitativa da economia paraense. Isto é: não nos mostramos capazes de alterar a trajetória. Assim, só nos resta a doce poesia de Caetano Veloso, na canção Oração ao Tempo: “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos/ Tempo, tempo, tempo, tempo entro num acordo contigo”.
Referências:
LIMA, Luís Flávio Maia. Exportação Paraense: enfoque analítico pela ótica das empresas exportadoras 1992-1997. Belém, 2006 (Dissertação de Mestrado).
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Estatísticas de comércio exterior. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br. Acessado em: 28 de setembro de 2012.
REDDY, Sudeep; FRANGOS, Alex. Comércio externo fraco ameaça economia mundial. In: Jornal Valor Econômico. The Wall Street Journal Americas. p. B9. 02 de outubro de 2012.
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(*) Economista, professor universitário. E-mail: lufla2@yahoo.com.br.
(1) A queda só não é maior devido à desvalorização do real ao longo de 2012.
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(*) Economista, professor universitário. E-mail: lufla2@yahoo.com.br.
(1) A queda só não é maior devido à desvalorização do real ao longo de 2012.
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